Fazer o bem faz bem Estava no Méier por volta das 18h aguardando o sempre lotado 639 para voltar para o recesso de meu lar, quando pára perto de mim uma senhora muito velhinha, magra e com a coluna toda torta. Ela lembrou a minha avó Rita, apesar do problema da coluna ser um pouco diferente (minha avó Rita tinha nas costas o que ela dizia para nós crianças ser uma “mochila”). Minha avó morreu em 93 e a visão daquela senhorinha tão parecida com ela me logo saudades suas. Acho que eu olhei muito pra velhinha porque ela acabou se virando pra mim e pediu que eu fizesse sinal para o 457, “se o seu ônibus não vier antes”, disse ela.
O 639 veio antes, mas não tive coragem de sair do ponto deixando aquela frágil figura sozinha. Além do mais, outro dia eu tinha feito isso com outra velhinha que tinha me pedido ajuda. Larguei a pobre no ponto e quando já estava no ônibus é que vi o que tinha feito... Fiquei com verginha de mim mesma. Desta vez me policiei para ajudar à senhora.
Quando 457 veio ela ainda pediu que eu falasse com o motorista que ela tinha que entrar por trás porque não conseguia passar na roleta. Falei com ele e ajudei-a a entrar subir no ônibus.
Como não é só castigo que vem a cavalo, logo atrás veio outro 639 vazio. Agora eu quero uma velha por noite pra colocar no ônibus!
Questão de peso Fazer dieta não é fácil. Não estou falando de ter força de vontade, de ter disciplina para segui-la ou algo que o valha. Estou falando em termos práticos. Fazer dieta dá trabalho. Você tem que se programar. Tem que ir ao mercado, ao sacolão. Comprar dúzias de coisas diet e light, comprar verduras, legumes e frutas. Tem que cozinhar tudo isso. Tem que se lembrar do que você deve comer em que hora. Pior: tem que pensar hoje, o que você vai comer amanhã. Tem que se planejar, sem saber se amanhã você vai estar com vontade de comer brócolis... Tem que ir dormir, tendo antes verificado se o menu do café da manhã está ok. Tem que preparar o farnelzinho do trabalho: uma fruta para a colação e um biscoitinho diet ou um iogurte ou um capuccino diet pro lanche da tarde. Você escolheu o cappuccino na véspera, mas no dia faz um calor senegalês... Você escolheu o iogurte, mas na hora deu aquela vontade de comer biscoito... E ainda no trabalho você tem que ligar pra casa e tentar descobrir o que será o jantar. “Nuggets”. AHHHHHHH! Aí tem que implorar pra mãr fazer a caridade de preparar um frango grelhado e não esquecer as verduras ou você mesma tem que chegar em casa morrendo de fome, abstrair o nugget e fazer sua comida. Dá muito trabalho... Estou até cansada de pensar que hoje é domingo e que amanhã é dia de (tentar) começar tudo de novo.
Desapego Não que as pessoas da minha família rasguem dinheiro, mas de forma geral são desapegadas dele. Meu pai e minha tias tem até conta conjunta cujo dinheiro é usado por quem precisar para o que quiser e ninguém briga por isso. Realmente invejável. O único efeito colateral disso é ser pobre, como todos os desapegados às coisas materiais. Como ter dinheiro se você não liga pra ele?
Eu pareço que vou pelo mesmo caminho. O problema é que eu sou desapegada, mas com o dinheiro dos outros. Em janeiro viajei para um hotel fazenda e minha prima pagou minha conta porque eu não uso cheque. Simplesmente esqueci de pagar minha dívida com ela. Só paguei duas das quatro parcelas do pacote de viagem. E ela nem pra me cobrar! Pra piorar não lembrava quanto lhe devia. Hoje finalmente acertamos nossas contas.
– Eu sou Vasco, mas quando estou com meu pai, digo que sou Fluminense.
Menina inteligente, essa minha afilhada...
*** Minha irmã contou a historinha acima na mesa do almoço hoje. Meu irmão, flamenguista doente como só os flamenguistas podem ser, tenta convercer Lara a virar rubro-negra desfiando uma lista de familiares flamenguistas:
– Eu sou Flamengo. Tia Simone é Flamengo. Osiris, Andréa, prima Aline, primo Júnior, todo mundo é Flamengo.
Ela permanece irredutível.
Mudamos de assunto e partimos para a sobremesa, que é uma caixinha de Skibon, aquela que vem com 15 mini bombons de sorvete. Meu irmão se antecipa e pede logo um. Larinha não conversa:
– É só pra quem é Vasco. ***
Lara é das nossas: perde o amigo, mas não perde a piada. Ela tem só 4 anos e já sacaneia as amiguinhas. Uma delas fala errando, trocando as letras. Lara não suporta isso.
- Mãe, olha I. falando: “Arara xumiu com meu negoxio.”
A menina quer dizer “A Lara sumiu com meu negócio.” Mas Larinha é implacável:
Se fosse há três meses... Fila no Camarão & Cia do Shopping Tijuca. Tem uma pessoa na frente fazendo seu pedido e um boneco atrás de mim. O cara de frente ainda nem terminou de pagar e o malandro atrás de mim se antecipa pedindo uma coca light. Olho pra trás sorrindo.
– Ah, você está na minha frente? Desculpe.
Chega a minha vez. Indócil, bonitão pede sua coca light e a atendente antes de fazer meu pedido, busca a coca light na geladeira. O cara pega a latinha e estende um cartão de banco para a caixa pedindo para ela “passar dez Reais, tirar o valor da coca e lhe dar o troco”. Finalmente a atendente lembra que eu estou na frente dele na fila e pergunta se pode atendê-lo. Respondo, sem me alterar:
– Não. Agora você vai me atender.
O palhaço fica puto do meu lado. Se achando cheio de razão, comenta pra mim:
- Gentileza gera gentileza.
Apenas concordo sorrindo. A atendente ficou trocando olhares e muxoxos com o “Profeta Gentileza”, enquanto me atendia.
Ah, como eles são sortudos e não sabem. Se fosse há três meses, eu teria batido boca com o babaca, terido dito, aloud and articulated, “Gentileza de cu é rola” e chamado o gerente para fazer queixa da atendente que nunca, jamais, em tempo algum poderia ter ela mesma furado a fila, mas agora, não, agora eu sou Zen.
E o Biza, hein? Apareceu lá. Está com o mesmo corte de cabelo que eu. Mó perucão “negro como a asa da graúna”. Elogiou minha atitude com um malandro que chegou colocando suas mãos cheia de dedos nas minhas e me puxando. “Firme e sutil”, disse ele da minha reação.
Biza disse que eu não estava me “entregando ao samba”. Ele queria me ver evoluir tal qual uma rainha de bateria, mas a pista lotada impediu meu espetáculo. Depois me puxou pra dançar junto. Mais um ponto no meu programa de milhas para garantir minha ida ao inferno sem escala quando morrer: eu que sempre excomunguei os praticantes da dança de salão afoitos por mostrar o resultados das aulas na escola do Carlinhos de Jesus, fui um deles rodopiando no exíguo espaço. Conseguimos bailar durante três músicas, sem cair (tudo bem, teve um tropeção). Agora já posso dizer que consigo dançar com Vicente, J Marcelo e Biza.
E Biza não perguntou a Roberta se eu dava mole pra ele? Só Biza pra perguntar isso e só Roberta pra responder “não sei”. Ela está cansada de saber pra quem dou mole e pra quem não dou e diz “não sei”. É uma vaca.
Mas e a Matriz, hein? Pois é, fui ontem. Tentei sair de casa o menos armada possível para não me aborrecer. Das últimas vezes tinha detestado aquilo lá. Desta vez não foi tão ruim, embora o público agora seja formado por criaturas recém-saídas da puberdade, todas equipadas com celulares que tiram foto e ávidas por bebida, cigarro e otras cositas más. Resumindo: um bando de gente incoveniente. Tinha um grupo de "pessoas da nossa idade", mas eles também eram inconvenientes. Gritavam e urravam, impedindo os outros pagantes de ouvirem a música que saia das caixas de som. Devia ser o "pessoal do serviço" que saiu pra uma "esticada". Era um grupo grande de homens e mulheres, provalvemente as "meninas do telemarketing" e os "caras da informática", todos doidos para se comerem mutuamente. Por que não marcaram uma festinha em casa? Eles poderiam gritar, berrar, encher a cara, se esfregar uns nos outros, fazer uma surubinha básica, sem incomodar ninguém, só os vizinhos, mas como nenhum deles mora do meu lado, foda-se.
"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos Eu era feliz e ninguém estava morto"
Fernando Pessoa
Quinta, justamente quinta que eu pretendia escrever aconteceu uma coisa tão ruim, tão chata, que me impediu de sentar no computador: um amigo nosso morreu. Mais um. Em menos de um ano. Ele tinha problemas no coração, tinha somente 19% das funções cardíacas, tinha colocado marcapasso em março. Morreu na rua, sem receber socorro a tempo. Tinha 37 anos, um filho de 6 e um humor inabalável, mesmo quando tinha que tomar 11 remédios por dia e oferecia seus comprimidos aos presentes como se fossem balas. Ultimamente ele andava deprimido, mas já estava procurando um apoio psicológico. Não deu tempo.
Parei pra contar e já contabilizo 7 amigos e primos mortos, todos mais ou menos da minha idade. Sete vidas interrompidas (todos morreram repentinamente, nenhum estava com alguma doença terminal). Isso me faz pensar no tempo. Esse amigo que morreu queria ir a um samba. Fazíamos planos de ir à Lapa, mas seria mais pra frente, quando estivesse mais adaptado ao marcapasso. Ele também tinha dito que ia nos levar pra passear de helicóptero porque trabalhava em uma empresa de vôos panorâmicos pelo Rio. Não deu tempo. Pensar nisso me angustia, me dá um aperto no coração. Dá uma vontade de viver tudo, de falar tudo que se quer, de ir a todos os lugares, de ler todos os livros, ver todos os filmes, comer todos os doces, beber todos os drinques, de não adiar nada porque eu tenho a certeza de que a gente nunca sabe quanto tempo ainda tem. Por isso que ontem, mesmo me sentindo tremendamente triste, me sentindo pequena e chateada, eu saí pra dançar. Não sei se haverá semana que vem pra eu adiar minha saída, mas sei que não ia adintar ficar em casa pensando na vida (ou na morte). Na Casa da Matriz ou na minha casa, meus sentimentos estariam comigo e o local não os faria mudar.
"A lista dos mortos da gente vai aumentando com o tempo. Quando eu era pequena não tinha noção desse morre e nasce. Mesmo porque ninguém meu morria. Tudo tinha um quê tão definido de eternidade, tudo durava tanto e a vida não faltava; a vida era pontual como os quintais e as goiabeiras ali. Todo dia ali. Existindo."