Histórias de Ursulão Ursulão abre a porta do seu quarto, onde via na televisão um programa de samba apresentado por Dicró, chega até a porta do meu quarto, aberta.
- Está fazendo alguma coisa? (Sem esperar a resposta, ansioso, completa) Vem ver o Pelé do Piston.
Eu estava atualizando meu currículo. Estava com TODOS meus certificados, diplomas, declarações espalhados. Tive que largar tudo para ver Pelé do Piston, que meu pai não cansava de repetir, “é muito bom”. Minha irmã chegou na porta do quarto dele e foi logo convidada a assistir a performance de Pelé do Piston, mas ela soltou um sincero e desconcertante “eu, hein”, virou as costas e foi embora. Fiquei lá, sentada na cama, esperando Dicró acabar de fazer gracinhas e permitir que o Pelé do Piston pudesse começar sua apresentação. Boa, realmente, mas eu devo ser mesmo muito ignorante em matéria de piston pra não perceber porque o cara é de fato o Pelé do Piston.
Histórias de Larinha na Copa Minha sobrinha/afilhada vivia a expectativa de ver a seleção brasileira campeã. Ela andava bem dos assuntos da Copa do Mundo. Sabe quem era o capitão da seleção (“Cafu, que vai levantar a taça”, acreditava ela. Coitada...) e no dia da gripe de Ronaldo estava toda preocupada:
– Quem vai substituir o Ronaldo, que está com febre?
Quando perguntou como ela sabia disso tudo, ela disse que a “tia leu no jornal Notícias da Copa”.
*** Ainda sobre a Copa, ela ficou espantada quando soube que Fátima Bernardes estava na Alemanha:
– E quem está com os filhos dela?
Aliás, Larinha é fã de William Boner. Embora a mãe dela explique que ele é casado com a Fátima Bernades e que tem três filhos, ela ainda acha que ele “podia separar dela e ir morar lá em casa”.
Observações gerais Estava preenchendo um currículo para entregar no meu novo emprego e no último item - “Observações gerais”- era para colocar outras habilidades que tivéssemos ou outras atividades que fizéssemos ou que gostaríamos de fazer fora do trabalho. Pensei, pensei e cheguei a conclusão de que não faço nada de especial. Não danço flamenco, como minha irmã, ou dança do ventre, como Fernanda. Não estudei teatro, não toco piano. Não escrevo poesia nem roteiro pra cinema. Tentei aprender a tocar violão quando era criança, mas não tive talento. Não sei cantar nem costurar ou bordar. Cara, não tenho nada a acrescentar, além das minhas credenciais de relações públicas! Eu já tinha pensado que estava precisando ter algum hobby, algum prazer na vida porque só tenho obrigação (estudo – trabalho – academia), mas não sabia que era tão grave a crise.
Está combinado Eu e duas cálegas de trabalho marcamos às 8h20 na porta da companhia para entrarmos juntas e com o pé direito na segunda-feira. Ninguém segura as Meninas Super Poderosas!
Minha Copa do Mundo particular Eu nunca marquei um gol. Nunca fiz uma cesta. Nunca decidi uma partida de futebol, handbol, volei ou qq coisa que o valha. Não ganhei medalha em olimpíada da escola. Nunca cheguei primeiro – nem em corrida do saco. Não fui a sinhazinha ou a melhor bailarina, aliás nunca concorri pra sinhazinha nem cheguei a ser uma bailarina. Mas hoje acho que experimentei a sensação de ter feito tudo isso junto: consegui a vaga que queria na empresa. Não vou sair do Rio de Janeiro e ainda vou trabalhar com o que eu escolhi, com aquilo que estudei e ao que venho me dedicando desde a faculdade. Felicidade (e alívio), teu nome é Ana Paula.
*** Para ficar claro para aqueles que, como eu, foram um fracasso esportivo e artístico na idade escolar, a sensação de que falo é a mesma de passar no vestibular pra carreira e universidade que você tanto queria.
Eu queria tanto lhe dizer Da minha solidão, Da minha solidez, Do tempo que esperei Por minha vez Da nuvem que passou E não choveu Minhas mãos estão no ar Como um aeroporto Prá você aterrissar Também sou porto, Se quiseres ancorar Sou mar, sou terra e sou ar Eu tenho a mão E você tem a luva Eu sou montanha E você é chuva Que escorre E some no final da curva Que beija o rio Prá abraçar o mar É por isso que a montanha Tem ciúme Quando o vento Leva a chuva Prá dançar Muitas vezes Tudo acaba em tempestade Raios gritam sobre a tarde Tardes dormem ao luar Anoitece a minha espera Amanheço a te esperar
*** Porque esta música me veio à cabeça hoje quando sentei pra blogar e ela é linda, principalmente os primeiros versos.
Um dia eu vou rir disso tudo vou ter saudade do medo que eu tinha de não ter dinheiro amanhã Um dia vou ser irmã da certeza de comer, dormir e comprar disco todo dia e ter galinha no quintal e viver bem Um dia, meu bem me verás vestida de ouro e pensarás que vou a uma festa A festa será aquela, esta de estar em casa sem tensão sem terceira imundície Um dia meu irmão te direi: Não te disse?: E serei a negra mais feliz do Brasil Não serei imbecil Serei sábia e sutil na riqueza Eu que era a ovelha negra da quadrilha vou sustentar a família com tanta beleza Um dia vou pôr a mesa que o mundo guardou pra mim Patroa e empregada do meu próprio festim!
(19.7.1990) *** Li este poema no livro O Semelhante e pensei como seria bom se este dia chegasse tb pra mim. Vai chegar.
Dodói da cabeça, eu?!?!?! Cheguei a conclusão que eu adoro uma agulha. Eu já fiz três tatuagens, acupuntura, dôo sangue, dôo plaquetas, sou cadastrada como doadora de medula e não tenho medo de ser chamada para doá-la (a retirada da medula é feita por punção na bacia), faço exame de sangue quantas vezes for necessário no ano (no mês de maio, eu fiz duas vezes e qnd estava com suspeita de dengue, fiz uns três exames)... Será que isso é doença?
Tá ardendo mas tá entrando No meu ex-trabalho tinha acupuntura para os funcionários. Eu ia sempre que podia ou sentia alguma coisa. Era legal. Mas era inevitável lembrar do Funk da Injeção, de Deise Tigrona, quando o dotô, enfiando aquelas agulhas, perguntava: “Tá ardendo?”
Apesar de ter alguma intimidade com ele, não era suficiente para assustá-lo com uma gargalhada seguida de uma interpretação da música (?), que, por não ser carioca e estar pouco tempo no Rio, ele provavelmente não conhece.
Eufemismo No email de despedida que minha chefe me mandou, ela disse que vai sentir falta “do meu humor, da minha competência e da minha pouca paciência com a mediocridade”. Adorei o eufemismo pra grosseria e intolerância com a burrice alheia! Vou adotá-lo como referência a este traço marcante da minha personalidade.
Retorno de saturno Mudei de emprego. Tô começando a acreditar que isso de “retorno de saturno” é verdade e que 2006 será o ano da expansão, segundo “meu” astrólogo previu. Bom, minha expansão corporal, eu já tinha certeza, mas ainda não tinha confirmado a expansão “em todos os campos”, como ele profetizou. Agora é pra valer.
Um dia, irmão, Comemoraremos a vitória tão esperada Os que jogaram Ou que só torceram da arquibancada Bêbados de nós mesmos A mesa coberta com os destroços do combate. É difícil dizer o que é sangue E o que é molho de tomate. Brindaremos as cadeiras vazias E os que lá estão Os fantasmas de uma geração: Um que morreu no exílio E foi devorado por vermes estrangeiros; Um que enlouqueceu um pouco E tem delírios passageiros; Um que ia mudar o mundo E se mudou; Um que era o melhor de nós E vacilou; Nossa Rosa Luxemburgo Que abriu uma botique; Nosso quase “Che” Guevara Que hoje vive de trambique...
Restaremos você e eu, irmão E os balões circundarão nossas cabeças Como velhos remorsos E os garçons olharão para nós E desejarão a nossa morte. Danem-se as nossas trapalhadas Estivemos nas barricadas Não temos placas na rua Como heróis da resistência, Mas temos a consciência De que os bárbaros não passaram. Então, você dirá: “Como heróis? Como não passaram? Meu querido, não te falaram? Os bárbaros ganharam!”