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Irmamente Martha Medeiros
Desde pequenos, escutamos nossas mães dizendo: reparte com teu amiguinho. Raios. Você queria o bolo só pra você. Sobrou tão pouco e você ainda tem que dar um pedaço pra esse mané que foi bater na sua casa justo na hora do lanche. Mil vezes raios.
(...) Tudo o que se reparte fica menor.
Fica. Não há controvérsias. O bife fica menor, a herança também. Em compensação, nossa angústia também diminui de tamanho ao ser repartida. Nossa dúvida cai pela metade quando a dividimos com alguém. Nossa solidão pode ser reduzida em 50% se abrirmos a porta para um amigo. A dor pode ser minimizada se aceitarmos que alguém nos segure a mão. (...)
Dividir um estado emocional é bem mais difícil que rachar ao meio uma barra de chocolate. Às vezes trazemos dentro do peito uma tensão que nos anaboliza, e relutamos em acreditar que ela retrocederia se fosse repartida com um familiar, com um terapeuta ou até mesmo com um padre, desde que ele não saísse do confessionário direto para o programa do Gugu. Eu sou totalmente partidária da discrição, da economia de detalhes sobre a vida privada de cada um, mas, em certos casos, confidenciar pode ser um belo exercício para eliminar toxinas e perder peso. Duas confidências por ano e a alma já fica sarada.
Na verdade, estou tentando convencer a mim mesma, pois sou a maior moita. Falo, falo e não conto nada. Escrevo para desopilar um pouco, mas aquilo que existe de mais denso e secreto dentro de mim não revelo sob tortura e nem sob pagamento de direitos autorais. Dificilmente procuro amigos para abrir o coração. Raramente choro na frente dos outros. Não lembro a última vez que entrei numa igreja sem ser para um evento social. Divã, passei por um de forma meteórica treze anos atrás. Decididamente, não sou generosa comigo mesma. Neste ano que se inicia, vou tentar repartir mais. Chega de ser ímpar, de querer resolver tudo sozinha, de privar os outros da minha parte que dói. Em 2000, vou dividir as chagas. Em troca, quero o bife só pra mim.
Janeiro 2000 Non-stop – crônicas do cotidiano
*** Feliz Natal e um ótimo Ano Novo. Conte comigo quando precisar dividir uma dúvida ou solidão e obrigada por estar ao meu lado quando eu precisei dividir minhas angústias e tristezas de 2007.
(Se quiser dividir a herança ou o bife, também aceito. : ) )
Colorido por
Ana Paula às 1:33 PM -
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