Crise Foi assim. Segunda-feira passada, dia 16, eu sentei na minha mesa do trabalho às 17h e dei uns cinco espirros seguidos. Aí, meus olhos incharam, tive coriza e nariz entupido, a garganta arranhou e eu não conseguia respirar. Uma colega me levou pro jardim, mas não adiantou. Tive que descer pro posto médico, tomar 400ml de hidrocortizona (levei quatro furadas até acharem uma veia que se dignasse a receber o medicamento) e fazer nebulização com Berotec e Atrovent. Saí do posto depois das 20h.
Na terça, o alergista, um senhorzinho simpático, me auscultou e disse:
– Minha filha, seu pulmão está limpo. O que você tem é angústia.
Mulher, religião e violência O primeiro livro que li este ano foi Infiel, de Ayaan Hirsi Ali, a história de uma mulher que desafiou o islã, como diz o subtítulo. Não é um livro de beleza literária; é mais o registro da situação a que são submetidas as mulheres que vivem sob o jugo do islamismo.
Depois da leitura, fiquei mais intolerante ainda com as religiões. Todas. Porque todas, em certa medida, segregam, punem e condenam mulheres em sua liturgia e ritos, além de servirem de pretexto para a violência doméstica ou para se omitirem quanto a ela.
Fiquei feliz de ler a entrevista com Breyten Breytenbach publicada no Jornal O Globo de sábado (14/03/2009) porque constatei que não estou sozinha com minha opinião. Abaixo, fragmentos da entrevista.
"Eu sou intolerante. Por mais que compreenda as razões pelas quais as pessoas são religiosas, para mim as religiões do deserto, as que chamamos de monoteístas, são a raiz do mal. Que seja cristianismo, judaísmo ou islamismo. A partir do momento em que temos um deus introduzimos forçosamente a intolerância, forçosamente uma norma: é assim e não pode ser diferente. Se é preciso ter um Deus, que se vá mais na direção dos indíos. Pelo menos cada um te um Deus para si."
"Quando vejo todos estes senhores com suas túnicas de um mesmo branco, como são magníficos entre eles: machos, cavalos, romantismo e tudo mais. E vejas mulheres todas de negro com seus véus, do outro lado. Há algo que não bate, não é? Não é Deus que me incomoda aqui: é a atitude em relação à mulher."
"Em nome da tolerância e da diversidade, aceitamos o inaceitável."
Breytenbach é escritor, poeta, dramaturgo e pintor e ficou preso anos por encabeçar um movimento clandestino de resitência ao apartheid – Okhela.
*** Cordel de Miguezim de Princesa, poeta popular, paraibano radicado em Brasília.
I Peço à musa do improviso Que me dê inspiração, Ciência e sabedoria, Inteligência e razão, Peço que Deus que me proteja Para falar de uma igreja Que comete aberração.
II Pelas fogueiras que arderam No tempo da Inquisição, Pelas mulheres queimadas Sem apelo ou compaixão, Pensava que o Vaticano Tinha mudado de plano, Abolido a excomunhão.
III Mas o bispo Dom José, Um homem conservador, Tratou com impiedade A vítima de um estuprador, Massacrada e abusada, Sofrida e violentada, Sem futuro e sem amor.
IV Depois que houve o estupro, A menina engravidou. Ela só tem nove anos, A Justiça autorizou Que a criança abortasse Antes que a vida brotasse Um fruto do desamor.
V O aborto, já previsto Na nossa legislação, Teve o apoio declarado Do ministro Temporão, Que é médico bom e zeloso, E mostrou ser corajoso Ao enfrentar a questão.
VI Além de excomungar O ministro Temporão, Dom José excomungou Da menina, sem razão, A mãe, a vó e a tia E se brincar puniria Até a quarta geração.
VII É esquisito que a igreja, Que tanto prega o perdão, Resolva excomungar médicos Que cumpriram sua missão E num beco sem saída Livraram uma pobre vida Do fel da desilusão.
VIII Mas o mundo está virado E cheio de desatinos: Missa virou presepada, Tem dança até do pepino, Padre que usa bermuda, Deixando mulher buchuda E bolindo com os meninos.
IX Milhões morrendo de Aids: É grande a devastação, Mas a igreja acha bom Furunfar sem proteção E o padre prega na missa Que camisinha na lingüiça É uma coisa do Cão.
X E esta quem me contou Foi Lima do Camarão: Dom José excomungou A equipe de plantão, A família da menina E o ministro Temporão, Mas para o estuprador, Que por certo perdoou, O arcebispo reservou A vaga de sacristão.
*** Não sei se depois da leitura de Infiel fiquei mais desperta para o tema da violência contra a mulher e ele me salta aos olhos ou se de fato o assunto tem merecido destaque – ainda que tímido para suas proporções – na mídia. Veja o caso do aborto da menina e da excomunhão dos envolvidos. É uma pena que tenha sido preciso uma criança engravidada pelo padrasto e uma Igreja inquisidora e anacrônica para a descriminalização do aborto merecer um debate. Mas se esta vida é mesmo escrita certa por linhas tortas, que o sofrimento da menina não tenha sido em vão.
Dorme tensa a pequena sozinha como que suspensa no céu Vira mulher sem saber sem brinco, sem pulseira, sem anel sem espelho, sem conselho, laço de cabelo, bambolê Sem mãe perto, sem pai certo sem cama certa, sem coberta, vira mulher com medo, vira mulher sempre cedo.
Menina de enredo triste, dedo em riste, contra o que não sabe quanto ao que ninguém lhe disse. A malandragem, a molequice se misturam aos peitinhos novos furando a roupa de garoto que lhe dão dentro da qual mestruará sempre com a mesma calcinha, sem absorvente, sem escova de dente, sem pano quente, sem O B. Tudo é nojo, medo, misturação de “cadês.”
E a cólica, a dor de cabeça, é sempre a mesma merda, a mesma dor, de não ter colo, parque pracinha, penteadeira, pátria. Ela lua pequenininha não tem batom, planeta, caneta, diário, hemisfério, Sem entender seu mistério, ela luta até dormir mas é menina ainda; chupa o dedo E tem medo de ser estuprada pêlos bêbados mendigos do Aterro tem medo de ser machucada, medo. Depois mestrua e muda de medo o de ser engravidada, emprenhada, na noite do mesmo Aterro. Tem medo do pai desse filho ser preso, tem medo, medo Ela que nunca pode ser ela direito, ela que nem ensaiou o jeito com a boneca vai ter que ser mãe depressa na calçada ter filho sem pensar, ter filho por azar ser mãe e vítima Ter filho pra doer, pra bater, pra abandonar.
Se dorme, dorme nada, é o corpo que se larga, que se rende ao cansaço da fome, da miséria, da mágoa deslavada dorme de boca fechada, olhos abertos, vagina trancada. Ser ela assim na rua é estar sempre por ser atropelada pelo pau sem dono dos outros meninos-homens sofridos, do louco varrido, pela polícia mascarada.
Fosse ela cuidada, tivesse abrigo onde dormir, caminho onde ir, roupa lavada, escola, manicure, máquina de costura, bordado, pintura, teatro, abraço, casaco de lã podia borralheira acordar um dia cidadã. Sonha quem cante pra ela: “Se essa Lua, Se essa Lua fosse minha...” Sonha em ser amada, ter Natal, filhos felizes, marido, vestido, pagode sábado no quintal.
Sonha e acorda mal porque menina na rua, é muito nova é lua pequena demais é ser só cratera, só buracos, sem pele, desprotegida, destratada pela vida crua É estar sozinha, cheia de perguntas sem resposta sempre exposta, pobre lua É ser menina-mulher com frio mas sempre nua.
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar Por causa disto a minha gente lá em casa começou a rezar Até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada Por causa disto nesta noite lá no morro não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole Pensei que o mundo ia se acabar E fui tratando de me despedir E sem demora fui tratando de aproveitar
Beijei a boca de quem não devia Peguei na mão* de quem não conhecia Dancei um samba em traje de maiô E o tal do mundo não se acabou
Peguei um gajo com quem não me dava E perdoei a sua ingratidão E festejando o acontecimento Gastei com ele mais de quinhentão Agora soube que o gajo anda Dizendo coisa que não se passou Ih, vai ter barulho e vai ter confusão Porque o mundo não se acabou
* Versão atualizada: "Peguei no no pau de quem não conhecia"
Em tempo: Pra quem não percebeu, a fotita aí em cima é um detalhe do meu turbante de Carmem Miranda. Made by me and minha tia.
Histórias de Larinha Sábado passado eu, minha irmã e Lara fomos ver a exposição de Vik Muniz no MAM. Recomeiiiindo. Mas corre porque é só até amanhã.
Nós fizemos a visita guiada e Lara prestou atenção em cada detalhe.
– A gente podia trazer a Vó. – Mas é muita coisa pra ela andar, Larinha.
Na saída, praticamente “tive” que comprar o catálogo porque ela folheou o livro todo e disse que seria bom comprá-lo porque “a vó ia poder ver”.
Quando a gente chegou em casa não deu outra. Ela sentou a Vó no sofá e explicou cada uma das obras da exposição. “Essa ele fez com uma massa tipo de massinha de criança e foi tirando foto...” Sabia até dizer o tamanho original das obras e a altura de onde tinham sido fotografadas.
Na segunda-feira, depois da minha autorização, ela pegou o catálogo e foi de novo dar aula de Vik Muniz agora para minha tia. Disse minha mãe que ela saiu do meu quarto abraçada ao livro:
– Vou levar com cuidado porque foi caro.
Uma amiga do trabalho me outro catálogo que estava dando sopa por lá e eu o repassei à Larinha.
– Um só pra mim?!?!
A menina ficou felicíssima e levou o catálogo para escola no dia seguinte. Na sexta, ainda levou o livro (que é grande e pesado pro tamanho dela!) para o curso de inglês para mostrar aos colegas.
Vou experimentar levá-la a mais exposições. Quem sabe ela não se mostra uma exímia artista plástica, fica rica e sustenta a madrinha na velhice?
*** Vik Muniz fez obras com calda de chocolate. Lara quis saber o que ele fazia com o chocolate depois: